Material dourado ou ábaco? Como aprender Matemática por meio de manipuláveis

Categoria: Pedagógico | Publicado: segunda-feira, junho 24, 2019 as 14:41 | Voltar

Materiais manipuláveis funcionam como mediadores visuais na aprendizagem matemática e podem ser usados em qualquer etapa

 

Por décadas, materiais manipuláveis têm sido propostos como uma forma de apoiar a aprendizagem matemática dos estudantes (LORENZATO, 2009; MACHIETTO, 2015; NACARATO, 2005). Dois exemplos bem conhecidos são o ábaco e o material dourado, que são adequados à aprendizagem do sistema de numeração decimal e das operações básicas com números naturais.

Manipuláveis são artefatos que podem dar evidências visuais e táteis aos estudantes na apropriação de ideias matemáticas. É possível que sejam manuseados com as mãos, como é o caso do ábaco de madeira, como também explorados com o mouse (ou mesmo o touch screen), como é o caso do ábaco virtual desenvolvido pelos colegas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (conheça aqui).

Os materiais manipuláveis podem ter sido instrumentos na própria história da matemática (o ábaco, por exemplo) ou podem ter sido criados especificamente para fins educacionais: o material dourado, desenvolvido pela educadora Maria Montessori, é um desses. Outras vezes, o artefato foi criado para outro propósito, mas os educadores utilizam-no como manipulável. Consideremos, como ilustração, uma folha de papel A4, cuja função é o registro da escrita, mas um professor pode solicitar aos estudantes que recortem uma figura triangular qualquer. Por meio de sua dobradura, podem facilmente conjecturar que a soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo é 180o. Os manipuláveis oferecem evidências empíricas para o pensar matemático dos estudantes.

Em um estudo, a colega Jamine Vilas Boas e eu analisamos um grupo de alunos explorando um kit de materiais manipuláveis em uma aula sobre as medidas de áreas do triângulo e do trapézio. Observamos que os manipuláveis serviram ao propósito de visualização, definição matemática, levantamento de conjectura e justificação. Estas potencialidades são importantes para todos os anos escolares, de modo que os materiais dessa natureza podem ser considerados para qualquer etapa escolar (VILAS BOAS; BARBOSA, 2013).

Apesar das potencialidades dos manipuláveis, eles por si só não garantem que os estudantes os relacionem às ideias matemáticas a serem ensinadas. Uma meta-análise conduzida por pesquisadores americanos sugere que seu efeito no desempenho dos estudantes está relacionado à forma como o ensino é conduzido (CARBONNEAU; MARLEY; SELIG, 2013). Um dos aspectos críticos refere-se ao papel do professor, que deve facilitar a articulação entre os manipuláveis e as ideias matemáticas. Como diz Nacarato (2005, p. 5), “não é o simples uso de materiais que possibilitará a elaboração conceitual por parte do aluno, mas a forma como esses materiais são utilizados e os significados que podem ser negociados e construídos a partir deles”.

Consideremos, por exemplo, o material manipulável utilizado por Bordin e Bisognin (2002), o qual consiste de fichas verdes e laranjas para representar, cada uma, respectivamente, + 1 e -1. Manuseando-as, os estudantes podem representar diferentes números inteiros, sendo que o zero é representado por quantidades iguais de fichas verdes e laranjas. Assim, por exemplo, para resolver (-5) + (+3), basta os estudantes tomarem cinco fichas laranjas e três verdes. Como três laranjas se anulam com três verdes, sobram duas laranjas, que é representado por -2.

Supondo que os estudantes ainda não foram expostos à adição com números inteiros, o professor pode organizá-los em grupos e dar-lhes uma folha de tarefa com as operações a serem resolvidas. Assim, mediados pelos manipuláveis, os estudantes podem observar certos padrões, conjecturando o algoritmo da adição de números inteiros. Para isso, é fundamental que o professor acompanhe o trabalho dos alunos, estimulando-os a relacionar a manuseio do material com a resolução das operações de adição na folha de tarefa. O professor pode fazer questões, sublinhar aspectos importantes e problematizar, ou seja, criar um ambiente favorável para explorações matemáticas por meio dos manipuláveis. Assim, constitui-se o que Pereira e Oliveira (2016) chamam de engajamento dos estudantes por meio dos manipuláveis.

Sem o acompanhamento do professor, com a postura mencionada acima, é provável que o uso dos materiais manipuláveis se transforme apenas em um momento de entretenimento, sem relação explícita com ideias matemáticas a serem ensinadas. Outra forma de esvaziar sua potencialidade é quando o professor utiliza os manipuláveis apenas como parte de uma aula expositiva. Imagine, por exemplo, que, para explicar na lousa aos alunos como adicionar números inteiros, o professor mostre a manipulação das fichas verdes e laranjas mencionadas acima. Deste modo, apesar da visualização, os estudantes não teriam a chance de realizar suas próprias explorações matemáticas e de conjecturar o algoritmo da adição com números inteiros.

A potencialidade dos materiais manipuláveis realiza-se à medida que servem ao engajamento dos alunos na aula de matemática. Para isso, portanto, é preciso que o professor organize o trabalho pedagógico em torno de problemas que requeiram o uso dos manipuláveis para sua resolução. Depois disso, a partir do trabalho dos estudantes, o professor pode sistematizar os novos conhecimentos.

 

Fonte: https://novaescola.org.br
Por: Jonei Cerqueira Barbosa

Publicado por: ftorres